OUTRO DIA
OUTRO DIA
Quando o mundo abriu as portas pra mim, tomei o sol, o vento e decidi caminhar em frente, lentamente. Os impulsos da juventude me diziam que deveria correr, mas decidi olhar a paisagem, conhecer o caminho, enquanto conhecia.
A corrida louca não era dita pela boca e nem os pés descreviam. Era na minha cabeça, o campo de guerra aonde tudo acontecia. Enquanto outros dormiam, eu vigiava, estudava, me cobrava e me vencia.
Me doei mais para outras pessoas que pra mim. Fiz promessas que nunca cumpri, mas que nunca foram esquecidas. Certa vez prometi um chapéu de massa para meu avô paterno. Não pude comprá-lo. Que me importa agora se posso comprar uma dúzia deles se ele já não pode mais usá-lo?
Prometi a restauração da saúde da minha tia Pepê. Mas a realidade me disse: deixa de tolice! Você é matemático, não é médico, e tampouco Deus. Prometi à minha avó materna e a meu avô “João Mourão” que eles não trabalhariam mais na roça, pois seria “doutor” e os manteria no conforto e na fartura. A fatura era alta demais. Não pude pagar, ainda que Doutor me tornasse tempos depois, quando eles não mais precisavam.
Prometi amor eterno e agora percebo que nunca pude me amar tanto quanto gostaria de amar outras pessoas. Ainda assim sei que faço isso. Minha esposa, filhos, netos, irmãos e muita gente que não é nem parente, sente isso. Eu os amo tão intensamente que não sou capaz de me amar tanto assim.
Muita gente pode achar que não há tanto amor em mim. Eu concordo com elas, sim, pois que sou o mais intransigente crítico de mim. Meu lado visceral, de violento animal se manifesta quando percebo que minha única arma para combater o mal, a desigualdade social, a pobreza, a fome abissal, é minha arredia poesia.
Amanhã será outro dia. Terei mais uma oportunidade para agradecer ao sol, ao vento e às estradas que ainda posso pagar as minhas contas, mesmo que as forças já estejam minguadas.
Poeta matemático
Enviado por Poeta matemático em 13/06/2024