TEMPO

Meus cabelos estão brancos. Isso nada significa, além de mostrar que o tempo passou.
Já estou esquecendo dos eventos do dia e lembrando do passado. Nada de novo sob o céu!
Já não faço sexo como antes. Faço amor com sexo. Ponderado, medido, sentido, intenso.
Já não corro mais com dantes. Não pulo, não faço demonstração de valentia, de vigor físico.
Para as pessoas que me visitam, orgulhoso, não mostro mais as medalhas das competições.
Limito-me a mostras a biblioteca, comentar os livros que li e a esperança de ler os demais.
Ah, desculpem a ousadia. Mostro também os livros que escrevi e resolvi esses crimes confessar.
Procuro esconder a despensa com o necessário e mostrar o canteiro, o jardim, o herbário.
Há muito deixei para as traças os vários paletós. Até das gravatas esqueci os complicados nós,
Deixei os sapatos, os calos, as meias e adotei os chinelos de dedo, mas aprecio ficar descalço.
No meu encalço, como correntes e laços, a artrite, a artrose... Já não me assustam mais.
As dores que sinto não são físicas. Essas têm remédios. Sinto dores maiores e muito mais intensas,
Elas doem nas lembranças, nos sonhos... Coisas que não confessaria nunca. Jamais!
Ao mesmo tempo em que sinto que estou morrendo, curto a viagem, as flores no caminho.
Antes curtia a velocidade, mas isso me impedia de observar a paisagem, observar o tempo.
Hoje o tempo me observa, me mede, sente meu cheiro de quase morte, eu sinto!
Ele espera que eu minta e diga que não tenho medo. Mas eu tenho medo sim, não é segredo.
Tenho medo de promessas de eternidade, principalmente de quem é finito e limitado como os
pretensos donos da verdade.
Tenho medo de quem tem necessidade de dizer que me ama, mas não mostra afinidade.
Tenho medo do ranger de  dente nos sorrisos, dos beijos quentes, medidos, imprecisos, molhados e caros.
Já tenho medo até de mim, quando sinto desejos de me matar. Depois lembro que sou eterno.